13/10/2010

22º dia – 27/01/2010 – Quarta-feira

- Puno – PE a Arica – CL
- 657,7 km percorridos
- Aproximadamente 12 h de viagem
- Consumo: 16,33 km/l
- 4 abastecimentos: (Desaguadero - PE; Mazo Cruz – PE; Moquegua – PE; Arica – CL)
- Hotel: Sol de Arica

As circunstâncias no caminho mudam nosso destino
Saímos cedo e como de praxe pegamos um táxi para nos orientar na saída da cidade em direção a Copacabana (Nossas convicções na utilidade de um GPS cresciam a cada instante). Teríamos que rumar e enfrentar a fronteira para sair do Peru e entrar na Bolívia, geralmente um processo que leva certo tempo. A nosso favor: não chovia, ao menos por enquanto. O asfalto estava em péssimo estado de conservação sendo que em alguns pontos ele nem mais existia. Poucos quilômetros rodados e tivemos que aguardar alguns instantes, pois trabalhavam na recuperação da estrada e somente uma das pistas estava liberada. Assim que passaram os carros em sentido contrário nos liberaram, mas a pista era de rípio e este, para variar, estava bastante solto. As vans que vinham atrás de nós estavam com muita pressa e nos ultrapassavam levantando bastante pó. Logo, para o nosso alívio chegamos novamente ao asfalto, mas a alegria não durou muito tempo. Nova parada e mais algum tempo de espera para nos liberarem. A vantagem agora era que a pista era de terra e estava bem compactada. Depois deste trecho, daqui para frente somente asfalto, ou melhor, muitos buracos e crateras com uma borda de asfalto. Foram uns cinqüenta quilômetros desviando de buracos e das vans que andavam feito malucas e não respeitam ninguém. Levamos praticamente uma hora para superar este trecho e em seguida o asfalto virou um tapete. Mas mesmo assim a pilotagem tinha que ser com a máxima atenção devido aos bichos soltos na beira da estrada. Uma coisa que nos preocupava era que a nossa esquerda haviam nuvens negras e quanto mais nos aproximávamos do acesso para Yunguyo, localidade fronteiriça que a princípio pretendíamos atravessar, mais a nuvens aumentavam. Passamos por pequenas localidades e por uma cidade onde acontecia uma espécie de feira agropecuária e acredito que a maioria da população se fazia presente, pois estava uma muvuca só no entorno. Interessante pararmos e passearmos pela feira se nós tivéssemos mais tempo. Infelizmente este estava escasso. Próximo ao acesso para a fronteira percebia-se uma chuva torrencial caindo na região e vinha em nossa direção, pois a temperatura havia caído muito e repentinamente. Começavam a cair os primeiros pingos de chuva. Resolvemos seguir adiante e atravessar a fronteira em Desaguadero. Fomos torcendo para que nos setenta quilômetros seguintes a chuva tomasse outro rumo. E realmente as nuvens escuras foram diminuindo conforme nos afastávamos. Chegamos a Desaguadero, cidade muito feia, muitas pessoas próximas ao terminal de ônibus, bicicletas e moto táxis para onde se olhasse. Fomos para a aduana e não enxergávamos o final da fila. Será que esta era a fila para sair do Peru? Vem um rapaz ao nosso encontro e pergunta:
- Querem entrar na Bolívia?
- Sim. E esta é a fila para entrarmos na Bolívia? É assim todos os dias?
- Sempre há fila aqui, pois entra e sai muito ônibus, mas hoje tivemos um problema com a falta de energia elétrica e a previsão de espera é mais ou menos de três horas. Mas posso ajudar vocês falando com aquele senhor ali na porta e aí poderão passar sem entrar na fila.
- Mas porque você faria isto por nós?
- Em troca de uma ajuda.
- E de quanto seria esta ajuda?
- Cinqüenta soles.
- Não podemos pagar é muito caro.
- Trinta soles então?
- Agradecemos a sua ajuda, mas não queremos. Obrigada.
Já estávamos em dúvida se iríamos à Bolívia, pois estávamos atrasados em dois dias no nosso cronograma devido às chuvas em Cuzco. Esperar três horas na fila era algo que não nos agradava e pagar propina para furar a fila estava fora de cogitação, pois seriam trinta soles para o rapaz e muito provavelmente o senhor da porta também cobraria para ajudar e assim viraria uma bola de neve. Se fôssemos a Bolívia não teríamos tempo de visitar todos os locais que gostaríamos de conhecer. O que fazer? Entrar na Bolívia, respeitar o planejamento inicial ou deixar para outra ocasião e aí sim conhecer tudo com calma. Precisávamos abastecer e saímos do meio daquela confusão a procura de um grifo e teríamos um tempo para pensar um pouco mais sobre o que fazer. Havia um grifo, porém abandonado. Informam que aqui somente há gasolina em bombonas, então vamos à procura. Começa novamente a seção funil para abastecer. Um senhor muito solícito que nos atende e para ele pedimos algumas informações sobre a estrada até Moquegua. A estrada está boa, porém está com gelo na pista na parte mais alta. É a informação que passaram as pessoas que vieram de lá. Mas é possível passar lá sem problemas, tenta seguir o trilho de algum caminhão ou ônibus que inclusive sairá em seguida naquela direção. Nas curvas andem devagar que não tem perigo, é só cuidar. Se eu tinha alguma dúvida do que fazer agora esta dúvida havia dobrado de tamanho. Olho para o Álvaro e pergunto. - E agora? O que vamos fazer? Ele diz que "não vai esperar três horas numa fila e muito menos pagar propina", então somente resta à alternativa de seguirmos para Moquegua e a Bolívia ficará para outra ocasião (ao menos assim temos mais um motivo para voltar). Somando a isto o fato de o piloto estar àquela altura do campeonato já cansado da viagem e com receio de andar de moto pelo caos das ruas de La Paz. Eu questiono: - Mas quanto ao gelo na pista? Eu estou com medo, pois lemos tantos relatos de acidentes devido ao gelo e neve na pista. E olhando naquela direção há muitas nuvens escuras. Ele diz que iríamos com cuidado e talvez não estivesse com tanto gelo assim até a hora de chegarmos a esta altura da rodovia. - Está bem, que Deus nos ajude. Colocamos nossas capas de chuva e começamos a subir a ladeira para sairmos de Desaguadero. Eram 10h e 30 minutos da manhã. O asfalto estava em estado regular e praticamente não havia movimento na estrada. Foram noventa quilômetros com uma ou outra casa na beira da estrada e algumas lhamas, mas só. Próximo a Mazo Cruz caiu uma tromba d’água por alguns quilômetros e assim como repentinamente começou, também cessou. Na entrada da cidade uma barreira de cavaletes com uma placa de pare, mas não havia nenhum sinal de vida ali por perto, então não paramos e passamos devagar. Quando passávamos, sai um policial correndo de dentro do prédio que ficava ao lado da estrada, fazendo sinal para pararmos. Em seguida vem outro correndo atrás. Foi patético. Um deles (Pateta 1) pede os documentos do carro. O outro (Pateta 2) se segura para não rir e o corrige pedindo os documentos da moto. O Pateta 1 ficou visivelmente envergonhado. Quando lhe entrego os documentos ele pergunta em quantos nós estamos.
- Como assim ???, somos somente nós dois nesta moto.
- Mas quantos ainda estão atrás, vindo?
- Não estamos num grupo, somos somente nós.
Ele confere toda a documentação, conclui que está em dia e pergunta:
- O seguro da moto onde está? (O Imbecil estava mal-intencionado). 
Olho para o Álvaro perguntando mentalmente:
- E agora?
Ele pensa rápido e se adianta na instrução:
- O seguro carta verde amor.
Entrego-lhe o seguro mesmo sabendo que ele não tinha cobertura no Peru e que se os dois Patetas percebecem complicariam a nossa vida. O Álvaro queria ver se conseguia aplicar nos patetas. A julgar pelo recente histórico a probabilidade de dar certo era grande. O pateta 2 confere e diz que está tudo certo e podemos seguir viagem - BINGO. Perguntamos onde ficava o grifo e ele informa que é um pouco mais adiante entrando à esquerda. Realmente o grifo ficava próximo a estrada e até que era ajeitadinho. Paramos, buzinamos e não apareceu ninguém para atender. Fomos procurar dentro da cidade e nos disseram que no armazém, nos fundos do grifo é que faziam o atendimento. Fomos lá abastecer a la funil novamente. Perguntamos sobre o gelo na pista e nos disseram que esta hora era muito provável que já não encontraríamos mais gelo. Voltamos à estrada e depois de rodarmos um bom tempo no altiplano, começavamos a ganhar altitude. Percebíamos ainda alguns vestígios de gelo acumulado na beira da estrada, mas a pista estava seca. Depois de muitas retas agora voltávamos às curvas de cotovelo em seqüência que fazia com que ganhássemos muita altitude (a moto reclamava). Quando olhávamos para a nossa esquerda ou para nossa direita, enxergávamos somente nuvens escuras no céu. De repente começam a cair uns pingos de chuva bem graúdos e que logo se transformaram em pedras de granizo. Foram alguns minutos de pedras caindo, mas em seguida a pista já estava seca novamente e mais a frente já se percebia umas pequenas aberturas de céu azul, porém nos dois lados da estrada (direita e esquerda) as nuvens escuras e carregadas, continuavam ameaçadoras. Era de arrepiar, pois parecia que Deus fazia uma proteção sobre a estrada por onde precisávamos rodar e no entorno víamos a chuva caindo (Chuva no altiplano é gelo. Gelo e motocicleta definitivamente não combinam). Com três horas de viagem desde a saída de Desaguadero alcançávamos o ponto mais alto da região chamado Abra Huaytire com 4.800 m.s.n.m. e a vegetação que já era pouca, desaparece totalmente ficando desértica. Mágico! Iniciava neste ponto o processo de descida, cortando as montanhas do deserto com muitas curvas em cotovelos ainda mais proeminentes. Passamos por um trecho onde recuperavam o asfalto da estrada e tivemos que pegar um pequeno desvio de rípio. Não há infra-estrutura nenhuma neste trajeto além de um pequeno povoado onde deixamos um bocado da borracha dos pneus no asfalto, graças a um cabrito que havia fugido do rebanho e seu dono o tocava de volta montanha abaixo, quando simplesmente atravessou a pista na saída de uma curva. Como a única linguagem que entendem por aqui no trânsito é a buzina, o piloto aproveitou e testou a da Catarina, até o limite. Recuperados do susto, continuamos nossa descida. Em determinado trecho encontramos vários caminhões em comboio na pista, que dificultavam a ultrapassagem devido à enorme quantidade de curvas. Conforme descíamos a temperatura aumentava. Na localidade de Torata que fica num vale verdejante cercada por montanhas desérticas, paramos para esticar as pernas e tirar as capas de chuva que não teriam mais serventia, pois o céu azul agora era uma constante. Nesta localidade há uma pequena praça na margem da estrada com uma estátua de Cristo de braços abertos e com a vista da cidade no fundo do vale. Abastecemos na cidade de Moquegua e passamos ao largo dela para fugirmos do movimento. Na saída da cidade chegamos ao entroncamento que leva a Arequipa e Tacna (completávamos um círculo, pois dias antes por ali passamos vindo de Tacna com o objetivo de chegar em Arequipa). Daí em diante a estrada já era nossa conhecida até a fronteira do Chile. Em Tacna também conseguimos sair da cidade sem enfrentar grande movimento, pois passamos ao largo dela. Pouco antes da fronteira, somos parados por uma blitz policial. Documentos conferidos rapidamente, as mesmas perguntas de sempre, e liberados seguimos viagem com o pôr-do-sol a nossa direita se deitando sob o mágico Oceano Pacífico. Uma despedida do país em grande estilo. Na saída do Peru os trâmites foram bem mais rápidos em relação à entrada e até nos forneceram o formulário da relação de passageiros gratuitamente e que na saída do Chile haviam nos cobrado. Peru, obrigado pela bela estada e até uma próxima visita. Levaremos deste país a lembrança de um povo hospitaleiro, guerreiro e com histórias lindas e repletas de magia.
Na aduana no Chile tivemos que passar o bauleto traseiro e a mochila no aparelho de raio X e os bauletos laterais conferiram manualmente. Tínhamos, já imaginando esta possibilidade, colocado as folhas de coca nos bolsos internos da jaqueta. Quando saímos da aduana já era noite. E agora ainda tínhamos que nos acostumar com a mudança no fuso horário, pois no Chile já era mais tarde. Não entramos na cidade de Arica para procurar hospedagem, pois eu tinha visto um hotel próximo a uma rótula na avenida de entrada, quando saímos do país uns dias atrás. Por sorte havia vaga e deixamos a moto em frente à janela do quarto, no pátio interno. Tomamos um banho e fomos jantar no restaurante do hotel. Um hotel simples, mas muito bem localizado para quem na manhã seguinte seguiria viagem sem a intenção de passear pela cidade. Como as circunstâncias mudaram o nosso destino, pois na saída de Puno este era o de irmos a La Paz na Bolívia e agora estávamos no Chile, a única coisa que queríamos de agora em diante era estrada para chegar o quanto antes em casa. Foi um dia, apesar de cansativo, interessante e com paisagens deslumbrantes, onde o altiplano peruano se mostra em seu estado mais primitivo. Estas imagens ficarão na nossa memória para sempre. Lindo este país.

Autora do diário: Adelaide.

2 comentários:

  1. Bela passagem! Não tivemos problemas com os abastecimentos e fiquei impressionado com as dificuldades que vocês encontraram. Ao contrário do que aconteceu com vocês, inicialmente queríamos voltar pelo Chile, mas a Bolívia "pediu" para ser cruzada, pois as estradas nos levaram para Desaguadero e eu queria ganhar um dia na volta! Acho que foi muito bom não terem escolhido esse caminho, pois existem trechos de estrada muito ruins ao sul de Potosi e muito desolados, sem qualquer recurso. A Bolívia tem muitos atrativos, mas eu considero um país mais complicado para viajar! Abraços!

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  2. Anônimo26/10/10

    Olá Alvaro e Adelaide, tudo bem?
    Descobri o site de vocês e estou adorando suas aventuras, suas fotos estão muito boas. Gostaria de tirar algumas dúvidas com vocês a respeito de equipamentos para motos. Gostaria de saber se vocês levam muita coisa nas viajens ou só o necessário. Vi que vocês têm bau givi lateral e21 e que utilizam uma mochila na parte superior, além do baú.

    Numa viajem mais longa é necessário um baú lateral maior? Estou na dúvida entre o de 35 litros lateral da givi e o de 21 litros. Não sei de 21 é suficiente para levar só o necessário ou se faltará espaço mesmo levando o mínimo. Tenho também uma falcon agora.

    Se puderam me responder agradeço. e-mail: elomalano@gmail.com

    Abraços

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